“Ao Vencedor, as Batatas”: Reflexões Cotidianas
Há algo de profundamente irônico na célebre frase de Machado de Assis em Quincas Borba: “Ao vencedor, as batatas”. O que à primeira vista pode parecer uma simples metáfora sobre triunfo e derrota, revela, na verdade, uma lógica que atravessa tempos e fronteiras – uma lógica que define quem tem direito ao conforto de um lar, ao sabor de uma refeição farta e à dignidade de vestir-se bem.
Vivemos em um mundo onde morar, comer e vestir-se são mais do que necessidades; são símbolos de poder, marcadores sociais, fronteiras invisíveis entre aqueles que podem e aqueles que lutam para poder. Mas, e se o mundo fosse mais generoso? E se as batatas fossem para todos?
Moradia: O Sonho de um Teto
Ter um lar sempre foi uma das maiores aspirações humanas. Desde as primeiras cabanas de barro até os arranha-céus espelhados das metrópoles modernas, o espaço que habitamos diz muito sobre quem somos. Em Quincas Borba, o desejo de ascensão social faz com que personagens mudem de casa na esperança de mudar também de destino.
Hoje, essa dinâmica continua. Para alguns, a escolha da moradia é uma questão de estilo e status; para outros, é uma luta diária contra aluguéis abusivos, desalojos e a busca incessante por um lugar seguro para chamar de seu. O direito de habitar não deveria ser um privilégio – afinal, cada pessoa merece um espaço onde possa repousar seus sonhos.
O Sabor da Comida e o Gosto da Desigualdade
A comida tem algo de mágico. Ela aquece o corpo, reúne histórias ao redor da mesa e nos transporta para memórias de infância. Mas, ao mesmo tempo em que alimenta, a comida também separa. Para alguns, ela chega servida em porcelana fina; para outros, é racionada entre incertezas.
Em Machado, a ideia de que “ao vencedor, as batatas” expõe uma lógica cruel: quem tem poder saboreia o melhor da vida, enquanto quem não tem precisa se contentar com as sobras – se houver sobras. Mas a verdade é que a terra é fértil, e as batatas poderiam alimentar a todos. O que falta não é comida, mas equilíbrio na sua distribuição.
A roupa é mais do que uma proteção contra o frio; ela é expressão, identidade, narrativa silenciosa. Rubião, personagem de Quincas Borba, veste-se como quem quer convencer o mundo de sua importância. Hoje, não é tão diferente. A moda dita regras, cria pertencimentos e, muitas vezes, impõe barreiras entre aqueles que podem ostentar e os que precisam improvisar.
Mas se despirmos essa ideia de status e voltarmos ao essencial, perceberemos que vestir-se bem é vestir-se com dignidade – e essa dignidade deveria estar ao alcance de todos, independentemente de etiquetas e aparências.
E Se Pudéssemos Reescrever Essa História?
Se Machado de Assis estivesse aqui hoje, talvez lançasse um olhar atento sobre nossas cidades, nossas mesas, nossos armários, e perguntaria: e se as batatas não fossem apenas para os vencedores?
E se moradia, comida e vestimenta fossem mais do que conquistas, mas direitos garantidos? E se o mundo fosse menos uma disputa e mais um abraço?
Talvez essa seja a grande revolução silenciosa do nosso tempo: transformar necessidades básicas em acessos universais, ressignificar a lógica do Humanitismo e escrever um novo capítulo onde não haja vencedores e vencidos, mas apenas seres humanos compartilhando a terra, o pão e a vida.
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