No cenário atual, onde a transparência e a conformidade são cruciais tanto no setor público quanto privado, a Corregedoria emerge como uma entidade vital. Sua função transcende o mero controle de irregularidades, posicionando-se como um elemento estratégico na promoção de uma cultura organizacional íntegra e responsável. Este artigo explorará a função e importância da Corregedoria, a integração de tecnologias modernas, sua relação com o direito digital, e sua influência tanto na gestão corporativa quanto no setor público.
A concepção de um Estado Democrático de Direito está intrinsicamente relacionada à concepção de participação e controles: há constante busca pelo interesse público e pela garantia dos direitos fundamentais que asseguram o regime democrático. Podemos dizer, então, que a legitimidade do poder estatal está condicionada à participação popular, de um lado, e à possibilidade de mecanismos controles, de outro (Ungaro & Carvalho, 2016).
A reforma da gestão pública traz à tona a necessidade de se criar normas e efetivar instrumentos legais já existentes para assegurar um Estado moderno e democrático. Abrucio (2007) propõe quatro eixos estratégicos no que tange à modernização do Estado, profissionalização, eficiência, efetividade e transparência/accountability, sendo o último a aplicação concreta dos instrumentos de transparência e de controle social existentes no arcabouço estatal.
Tendo importante papel na operação e manutenção de governos locais, atuando como ferramenta de correição, as instituições de controles agem para reduzir as fiscalizações legais, contribuindo para uma gestão mais eficiente e eficaz.
Por corrupção, a literatura e a legislação definem várias tipologias, a exemplo do conflito de interesses, abuso de poder, nepotismo, desvio de recursos públicos, presentes, brindes e hospitalidades indevidamente ofertados e, ainda, a manipulação e fraude de documentos e dados (De Bona, 2021). O combate a esses atos de corrupção se tornou pauta da agenda internacional por volta da segunda metade da década de 1990.
Para a concretização dos objetivos finais da gestão, a organização de um bom sistema de Controle Interno deve abarcar, de acordo com Ungaro e Piccini (2021), quatro macrofunções, a saber: “Ouvidoria, Auditoria, Correição e Controladoria – essa a envolver as tarefas de promoção da integridade, da transparência e da prevenção da corrupção”, de modo a dar suporte ao processo de gestão, este traduzido no efetivo apoio às ações do governante e na consecução do conjunto das políticas públicas articuladas.
A seguir, vamos discorrer sobre a Corregedoria, uma das quatro macrofunções do Sistema de Controles Internos.
Função e Importância da Corregedoria
A Corregedoria desempenha um papel vital na promoção de práticas de governança eficazes e na criação de um ambiente organizacional íntegro. Ao implementar políticas de compliance e realizar auditorias regulares, a Corregedoria contribui para identificar áreas de risco institucional, desenvolvendo estratégias para mitigá-las.
A institucionalização de uma Corregedoria ativa e eficaz pode ter impactos positivos significativos no crescimento e maturidade empresarial. Empresas públicas que adotam uma abordagem proativa na gestão de riscos e conformidade tendem a ter um desempenho melhor no mercado, uma vez que a confiança dos investidores e clientes é fortalecida pela transparência e responsabilidade demonstradas pelas instituições.
Os modelos dos normativos e recomendações nacionais e internacionais sugerem que uma política de integridade pública e anticorrupção deve se estruturar em 08 (oito) eixos (De Bona, 2021): comprometimento da alta administração; área formalmente responsável com capacidade e autonomia, com voz para orientar e prevenir, e com dentes para investigar e punir; gestão de riscos e due diligence, para minimizar as ameaças relevantes que podem atrapalhar os objetivos da organização; código de ética contendo o rol de valores e condutas esperadas e proibidas e as respectivas sanções; regras e instrumentos de controle, com uma instância de Auditoria, para testar sistematicamente e propor melhorias nesses controles, enquanto terceira linha de defesa da organização; canais para denúncias, com garantia de preservação do sigilo e proteção ao denunciante; educação continuada aliada a um plano de comunicação permanente e criativo; e monitoramento via atividades contínuas em diferentes âmbitos.
A Corregedoria desempenha um papel essencial na manutenção da integridade e conformidade dentro das instituições. Seu principal objetivo é atuar como um mecanismo de controle interno que previne, detecta e corrige irregularidades, garantindo a transparência e a legalidade das operações. No setor privado, a Corregedoria assegura que as empresas operem dentro das normas e regulamentações estabelecidas, evitando passivos legais e financeiros. Já no setor público, sua atuação é crucial para manter a confiança pública e assegurar que os recursos sejam utilizados de maneira ética e eficiente.
A Corregedoria é responsável por implementar políticas de compliance e governança que promovem uma cultura de ética e responsabilidade. Ao identificar e mitigar riscos, ela protege a organização de potenciais escândalos e danos à reputação, o que é vital para a sustentabilidade a longo prazo. Logo, sua missão primordial é assegurar a regularidade e a eficiência dos serviços prestados, bem como a integridade dos servidores públicos. Atua na prevenção e apuração de irregularidades, zelando pelo cumprimento da legislação e pela ética no serviço público.
Nos últimos 20 anos, a Corregedoria passou por uma significativa evolução, impulsionada pela crescente demanda por transparência e accountability na gestão pública. Desta feita, têm-se observado seu fortalecimento junto à Administração Pública, refletida em autonomia e novas unidades especializadas em investigação e correição, possibilitando maior eficácia nas atividades de prevenção e de repressão às irregularidades encontradas.
Além de atuar de maneira repressiva, as Corregedorias também atuam de modo preventivo e educativo, através da capacitação de servidores, elaboração e divulgação de conteúdos voltados à ética e conduta e no desenvolvimento de mecanismos de controles internos.
Atuação das Corregedorias nos diversos órgãos da Administração Pública contribui, ainda, para: a) promoção da transparência e combate à corrupção; b) maior eficiência dos serviços públicos; c) promoção da integridade.
Neste sentido, a tecnologia tem sido uma importante aliada das Corregedorias, pois através da implementação de sistemas informatizados, seja para a gestão de processos disciplinares, seja para o uso de ferramentas de análise de dados voltados à identificação de riscos, irregularidades e/ou obtenção de provas forenses, o trabalho de prevenção e combate à corrupção têm se solidificado e se fortificado no âmbito da Administração Pública ao longo dos anos.
Todo o aparato de cibersegurança, defesa cibernética, análise de ameaças (principalmente internas – insiders) e outras técnicas e metodologias devem compor o cotidiano da Corregedoria Moderna, visto que, maior parte dos dados, informações, transações e até mesmo relacionamentos, acontecem no meio digital. A sociedade moderna está habituada à convivência digital, já se utiliza mais de meios digitais do que analógicos e desta forma, faz-se necessário, um upgrade na forma de atuação da Corregedoria, bem como todos os setores investigativos.
A tecnologia tem desempenhado um papel crucial na modernização das atividades correcionais, proporcionando maior agilidade, eficiência e transparência. Algumas das principais soluções tecnológicas utilizadas neste período incluem:
1. Sistemas de gestão de processos disciplinares: ferramentas que permitem o acompanhamento eletrônico dos processos, desde a instauração até a decisão final, facilitando o trabalho da Corregedoria e garantindo o acesso às informações por todos os interessados, de forma transparente e em tempo real, à exemplo do sistema ePAD[1].
2. Ferramentas de análise de dados: o uso de softwares de análise de dados possibilita identificar padrões e tendências que podem indicar riscos de irregularidades, auxiliando na atuação preventiva dos órgãos de correição.
3. Canais de denúncia online: A criação de plataformas online para o recebimento de denúncias facilita o acesso da população à Corregedoria, incentivando a participação no controle da gestão pública.
4. Inteligência artificial: A IA tem sido utilizada para otimizar processos, como a análise de documentos e a identificação de informações relevantes para as investigações.
5. Blockchain: A tecnologia blockchain pode ser utilizada para garantir a integridade e a autenticidade dos documentos dos processos disciplinares, aumentando a confiabilidade das informações.
Com o avanço da tecnologia, a Corregedoria moderna tem incorporado ferramentas de investigação digital para aprimorar seus processos. Softwares como o EnCase™, o FTK™ (Forensic Toolkit) e o SNAP™ são amplamente utilizados para detectar irregularidades e apoiar processos investigativos. Essas ferramentas permitem a análise detalhada de dados digitais, ajudando a identificar fraudes, desvios de conduta e outras atividades ilícitas.
A perícia forense digital tornou-se uma prática indispensável na coleta e análise de evidências digitais. Utilizando técnicas avançadas, como a recuperação de dados apagados e a análise de metadados, os peritos conseguem reconstruir eventos e apresentar provas concretas em investigações complexas. Ferramentas como o Autopsy™ e o X1 Social Discovery™ são exemplos de tecnologias que facilitam esse trabalho, garantindo que as evidências sejam coletadas e preservadas de maneira adequada.
Por meio de tecnologias forenses, a análise de dados, portanto, se tornou uma aliada poderosa na identificação de padrões de comportamento anômalos e na previsão de tendências. Através de técnicas de machine learning e big data, é possível detectar irregularidades previamente ao cometimento de um ilícito, a exemplo do uso de algoritmos para monitoramento de transações financeiras, de modo a identificar possíveis padrões suspeitos relacionados à lavagem de dinheiro ou fraudes financeiras.
Nesta vertente, a crescente digitalização das operações organizacionais trouxe à tona a necessidade de uma abordagem integrada entre a Corregedoria e o direito digital. As questões legais e éticas relacionadas ao uso de tecnologia em investigações são complexas e demandam atenção cuidadosa para garantir que as práticas da Corregedoria estejam em conformidade com a legislação vigente.
Um exemplo crucial é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, que impõe diretrizes rigorosas sobre o manuseio de dados pessoais. A Corregedoria deve assegurar que suas investigações não violem os direitos de privacidade dos indivíduos, equilibrando a necessidade de investigação com a proteção dos dados sensíveis. Isso requer um entendimento profundo das implicações legais e a implementação de medidas de segurança robustas para proteger as informações coletadas.
Além disso, a ética no manuseio de dados é fundamental. A adoção de práticas transparentes e responsáveis garante que as ações realizadas pelos órgãos de correição sejam justificadas e documentadas. Isso não só protege a organização de potenciais litígios, mas também reforça a confiança dos stakeholders na integridade dos processos internos.
Exemplos práticos incluem a implementação de programas de treinamento contínuo para funcionários, visando educá-los sobre políticas de compliance e a importância da ética nos negócios: empresas que investem em programas de integridade e na cultura de conformidade não apenas evitam passivos legais, mas também melhoram a satisfação dos clientes e a sensação de pertencimento e autopercepção dos funcionários sobre seu papel na promoção de um ambiente íntegro e ético.
Casos emblemáticos incluem operações em que a Corregedoria desempenhou um papel central na descoberta de esquemas de corrupção em larga escala, resultando em reformas significativas e melhorias nos processos internos, demonstrando como a Corregedoria pode ser uma força motriz para a melhoria da prestação de serviços públicos e para o fortalecimento da confiança dos cidadãos nas instituições.
Para ilustrar a influência positiva de um bom Sistema de Controle Interno, composto por uma Corregedoria moderna e atuante, apresentamos alguns exemplos da atuação dos órgãos correicionais:
· Prefeitura de São Paulo: Em um esforço para combater a corrupção, a Corregedoria da Prefeitura de São Paulo implementou um sistema de denúncias anônimas, permitindo que cidadãos e funcionários reportassem irregularidades sem medo de retaliação. Essa iniciativa levou à descoberta de várias fraudes em licitações, resultando na recuperação de milhões de reais para os cofres públicos e na implementação de novas políticas de transparência. Destaca-se o trabalho iniciado em 2016, resultando, em 2023, na assinatura de um acordo leniência para restituição de R$ 10.280.060,36 milhões de reais, desviados através de um esquema de corrupção na área da saúde. Firmado com a empresa Medartis Importação e Exportação, subsidiária da companhia Suíça Medartis AG, o acordo é resultado de duas sindicâncias administrativas para apurar possíveis irregularidades em contratações da então Autarquia Hospitalar Municipal, envolvendo empresa para o fornecimento em consignação de materiais para cirurgia de trauma ortopédico, com comodato de equipamento e instrumentais. Os desvios ocorreram entre os anos de 2011 e 2017 e envolveram a oferta de vantagens indevidas - como pagamento de passagens aéreas - a médicos que atuavam em hospitais municipais com o intuito de favorecerem o uso de produtos vendidos pela empresa. A conclusão das sindicâncias em 2018 resultou em procedimentos para a responsabilização de alguns agentes públicos envolvidos e no Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica em face da empresa fornecedora dos materiais cirúrgicos.
· Tribunal de Contas da União (TCU): através de sua Corregedoria, desenvolveu uma metodologia de auditoria baseada em dados que identifica padrões de despesas suspeitas em contratos governamentais. Essa abordagem proativa permitiu a detecção precoce de desvios de recursos, resultando em ações corretivas rápidas e eficazes. O sucesso desse programa inspirou outras agências a adotarem práticas semelhantes, ampliando o impacto positivo da Corregedoria no setor público.
A Corregedoria moderna se configura como um pilar fundamental para a construção de um ambiente organizacional íntegro e eficiente, tanto no setor público quanto no privado. Sua atuação, que vai além da mera detecção de irregularidades, abrange a promoção de uma cultura de ética e responsabilidade, a implementação de políticas de compliance e a utilização de tecnologias avançadas para aprimorar seus processos.
A crescente demanda por transparência e accountability, impulsionada pela evolução da sociedade e pela complexidade das relações no mundo contemporâneo, exige que a Corregedoria se modernize e se adapte continuamente. A integração de tecnologias como a inteligência artificial, o blockchain e as ferramentas de análise de dados, aliada à expertise em investigação digital e perícia forense, garante que a Corregedoria esteja preparada para enfrentar os desafios do futuro.
A atuação da Corregedoria, no entanto, não se limita ao uso de ferramentas tecnológicas. A valorização da ética, a implementação de programas de treinamento e a criação de canais de denúncia seguros e eficazes são elementos cruciais para o sucesso de suas ações. A Corregedoria, portanto, atua como um agente de transformação, capaz de influenciar positivamente a gestão e a cultura das organizações.
Os exemplos práticos apresentados demonstram o impacto positivo da Corregedoria na sociedade. Seja na descoberta de esquemas de corrupção, na recuperação de recursos públicos ou na promoção de uma gestão mais eficiente e transparente, a Corregedoria se mostra como um instrumento essencial para a construção de um futuro mais justo e íntegro.
Em suma, a Corregedoria moderna é um componente essencial para a integridade e a eficácia das instituições. Sua capacidade de integrar tecnologias avançadas e alinhar-se com as normas legais e éticas contemporâneas a torna uma aliada poderosa na promoção de uma cultura organizacional responsável. O futuro da Corregedoria reside na sua habilidade de inovar e liderar com integridade, assegurando que as instituições que serve prosperem em um ambiente de confiança e responsabilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DE BONA, R. S. Integrity and Anti-Corruption Policies in Brazil: The Role of the General Comptroller’s Office in the States and Capitals. Journal of Accounting, Management, and Governance, Brasília, 24(3), 389-405, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.51341/1984-3925_2021v24n3a8. Acesso em 16 de fevereiro de 2025.
TORQUATO, M.A.D. Controle Interno como instrumento de governança na Administração Pública Municipal. Orientador: Prof. Francisco Daniel Gomes da Cruz. 2019. 20 p. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Curso de Graduação em Ciências Contábeis, do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio – UNILEÃO. Juazeiro do Norte, 2019. Disponível em: https://sis.unileao.edu.br/uploads/3/CIENCIASCONTABEIS/C497.pdf.
UNGARO, G.; SORÉ, R.R. (org.). Panorama do Controle Interno no Brasil. Brasília : CONACI, 2014. 140 p. ISBN 978-85-68716-00-7.
UNGARO, G. Controle Interno da Administração – Eficiência, Transparência, Anticorrupção. São Paulo: Quartier Latin, 2023. 386 p. ISBN 978-65-5575-238-0.
[1] Ferramenta utilizada no Poder Executivo Federal, o ePAD é um sistema que organiza as informações dos procedimentos administrativos correcionais e gera peças necessárias para condução dos procedimentos disciplinares. Essa sistematização das informações é feita por meio da Matriz de Responsabilização, metodologia que permite processos sancionatórios mais céleres, efetivos e seguros.
Peterson Batista - Coordenador comitê de Cibersegurança e Embaixador da ANACO Brasil - https://www.linkedin.com/in/peritopeterson/
Aymée Beatriz Di Monaco - Gerente de Governança na Prodesp - https://www.linkedin.com/in/aymeebvicente/
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