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Como evitar o declínio cognitivo no envelhecimento?

Por: Dra. Ana Maria Orellana, Neurocientista, Farmacologista, ICB-USP. 

17/01/2024 21h26 Atualizada há 8 meses
Por: Redação Fonte: Dra. Ana Maria Orellana
Créditos: Imagem Retirada da Internet
Créditos: Imagem Retirada da Internet

No último sábado dia 13 fui convidada pela nossa querida anfitriã Flávia Acciarito a participar de uma entrevista na rádio Paraty na qual conversamos um pouco sobre o envelhecimento do cérebro. Coincidentemente dois dias antes havia sido publicada uma matéria interessante sobre o mesmo assunto no jornal americano The New York Times. Há alguns meses atrás o mesmo tema foi abordado num documentário muito interessante em um streaming de TV e também em um programa popular da TV aberta.

Isso me leva a pensar que a sociedade atual parece preocupada com a manutenção da plenitude das suas faculdades mentais nos anos vindouros. Pura sensatez! De acordo com o Relatório Mundial publicado em 2021 pela organização Internacional da Doença de Alzheimer, há no mundo cerca de 55 milhões de pacientes diagnosticados com Alzheimer e a expectativa é que em 2050 chegaremos a 139 milhões de idosos sofrendo com a doença1. Um número estarrecedor.

Mas será que a sociedade atual, embora mais interessada, está decidida a mudar o estilo de vida que conquistamos com a modernidade para proteger o cérebro? O que todas as fontes que mencionei acima e muitas outras, inclusive estudos de que participei, têm em comum são evidências cientificas muito convincentes de que o grande vilão para o cérebro é o estilo de vida que adotamos no mundo moderno.

Na primeira década dos anos 2000, os professores Mark Mattson (um dos mais importantes neurocientistas do mundo) e Edward Calabrese, ambos pesquisadores renomados nos Estados Unidos, começaram a defender uma teoria chamada Hormese2, que anos depois nos ajudaria a compreender os quatro hábitos mais perigosos a saúde e a sobrevivência de qualquer neurônio! São eles: abundância da dieta ultra-processada rica em calorias, o sedentarismo como estilo de vida, o isolamento social (redes sociais não contam como interação humana para a saúde do cérebro) e a passividade mental (hábitos como horas na frente da TV).

A essas alturas, na defensiva, o leitor deve estar pensando que hoje vivemos muito mais estressados que nossos antepassados e que o estresse nos adoece. Não nego o fato mas não tenho dados em mãos para afirmar se somos ou não mais estressados que nossos antepassados, talvez sim, talvez não, mas o certo é que vivemos situações estressantes próprias do nosso tempo.

A grande descoberta é que as estratégias de sucesso para contornar os efeitos maléficos do estresse baseiam-se: na dieta balanceada baseada em produtos naturais e baixa em calorias (o tema é vasto, podemos falar mais em outra ocasião); na atividade física aeróbica regular como caminhar, pedalar, correr, nadar ou dançar; numa vida cercada por amigos e familiares e com desafios cognitivos regulares (aprender um novo idioma, aprender a dançar, fazer um curso de artesanato, palavras cruzadas, ler um bom livro, praticar uma nova receita, se desafiar, viajar e etc.). Essas estratégias tornam o cérebro mais forte, mais adaptado, mais apto a resistir a situações de estresse sem perecer! Portanto, aumentam nossos anos de lucidez.

Não preciso dizer que horas de sono regular são imprescindíveis. Você sabia que o sistema de limpeza do cérebro (sistema glinfático), que drena todo o lixo inclusive as proteínas mal formadas, funciona somente no período de sono profundo quando estamos relaxados? Ora, proteínas mal formadas formam emaranhados e esses emaranhados são uma das causas primárias de morte de neurônios. Portanto cuide do seu sono, não deixe o excesso de exposição as telas atrapalhar seu cérebro e impedi-lo de se limpar!

Álcool e tabagismo? Assunto complicado, vou explicar. O consumo de álcool acima de 1,5 unidades de referência por dia para ambos mulheres e homens está relacionado com redução do volume cerebral, tanto por morte neuronal quanto por redução das conexões e sinapses. Maior o consumo, maior o dano. Isso foi observado por um grupo de cientistas da Inglaterra que mediram os efeitos do álcool no cérebro de mais de 36 mil voluntários em 20223. Para entender o que é uma unidade de referência, aqui no Brasil, uma unidade equivale a 14 g de etanol puro (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado). Por outro lado, tirando os efeitos deletérios do etanol, o resveratrol presente nas uvas roxas e no vinho tinto é um potente antioxidante e neuroprotetor. A chave para explorar os benefícios e poupar-se dos malefícios é limitar a quantidade de ingestão diária de vinho a um cálice (se o médico concordar, ok?).  

Em relação ao tabagismo não existe quantidade segura. O tabagismo é fator de risco para diversas doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer e só agrava doenças crônicas, além de aumentar a inflamação crônica no corpo. Doenças crônicas mal controladas deixam o cérebro muito infeliz assim como a inflamação! Logo, o tabagismo não tem defesa.

Finalmente, se você quer reduzir as chances de estar entre os 139 milhões de idosos que terão Alzheimer em 2050, é preciso começar agora para que seu cérebro consiga se manter saudável independente da idade que você tem (não importa mesmo, quanto antes melhor mas nunca é tarde). O cérebro tem uma plasticidade incrível e com esses “empurrões” ele vai longe, pode creditar! Pílula mágica? Ah, não existe não. Como tudo na vida, a saúde é uma conquista!               

Referências:

1.    World Alzheimer Report 2021, The global voice on dementia, Journey through the diagnosis of dementia, https://www.alzint.org/resource/world-alzheimer-report-2021/

2.      Mark P. Mattson and Edward Calabrese (eds). Hormesis, a revolution in Biology, Toxicology and Medicine, DOI:10.1007/978-1-60761-495-1_1. Springer Science, LLC 2010.

3.      Daviet, R., Aydogan, G., Jagannathan, K. et al. Associations between alcohol consumption and gray and white matter volumes in the UK Biobank. Nat Commun 13, 1175 (2022). https://doi.org/10.1038/s41467-022-28735-5

 

Colunista Dra. Ana Maria Orellana
Sobre Colunista Dra. Ana Maria Orellana
Formada em Ciências Farmacêuticas pela Unicamp e Doutora em Farmacologia pela USP, com período de doutoramento no Karolinska Institute da Suécia, estuda o processo de envelhecimento do cérebro e os processos associados ao declínio cognitivo assim como estratégias para preservar a cognição.
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